Das Coisas Quebradas

Entre autonomia e fluxo de comunicação :: a rede das coisas quebradas

A instalação “Das coisas quebradas”, trata do fluxo de comunicação que nos rodeia e de sua potencial transformação em dejetos. Somos usuários de um sistema em teste contínuo, que jamais estará pronto. Utilizamos hardwares disfuncionais e nos deixamos regular por redes que cada vez mais avançam sobre nossas vidas. A onipresença da comunicação aumenta e passamos a ser agentes, operadores e reféns desse fluxo. “Das coisas quebradas” é uma máquina autônoma, que toma suas decisões a partir da intensidade dos campos eletromagnéticos que pairam sobre nós. É a simulação física de um mecanismo contínuo, que opera entre as redes e o mundo real, onde a autonomia eventualmente caduca, os princípios se mostram obsoletos e percebemos que estamos na era da Internet das coisas quebradas.

Das Coisas Quebradas é uma instalação-maquina cuja autonomia se vale dos fluxos eletromagnéticos existentes no espaço onde ela é instalada. De forma insistente, dramática e irônica (se essas podem ser qualidades de uma máquina), ela repete a ação de esmagamento de celulares obsoletos ou cujo uso já não é mais desejado.

O projeto converte o espaço informacional que nos rodeia em um sistema “objetificado”, que representa um processo geralmente invisível, de transfor- mação de dados em inutilidade. A máquina tem como input as variações de leitura dos sinais que circulam no espaço aéreo (sinais de Radiofrequencia RF, ou campos/ondas conhecidas como Extreme Low Frequency ELF ou Electric Magnetic Fields), cuja saturação em determinados ambientes pode ser preocupante em vários aspectos.

A partir desses dados, o sistema se acelera e executa movimentos que culminam com uma ação destrutiva dos aparelhos estocados na máquina (ou dispensados pelo usuário), o que para muitos pode representar uma espécie de acerto de contas com o consumismo associado às tecnologias que observamos hoje.

 

Em seu conjunto de relações, o projeto sugere um pensamento crítico a partir de uma condição onde todos são veem responsáveis pela que ocorre nos espaços de circulação pública. Seu funcionamento leva em consideração um fluxo de informação que é produzido coletivamente, em interações entre o público e o sistema que vão além da interatividade imediatista comum à maioria dos projetos de arte digital

Das Coisas Quebradas busca dar conta de determinadas questões reincidentes na obra do artista, tais como: a instabilidade das mídias, as oscilações de linguagem percebidas nos meios de produção técnica de imagem, o caráter anacrônico dos meios audiovisuais em tempos de portabilidade, o con- sumismo e o fetiche ligado aos sistemas tecnológicos. O projeto dá continuidade de certo modo às pesquisas presentes no projeto Mobile Crash (performance audiovisual e instalação interativa), que comenta a constante (e crescente) obsolescência típica das mídias móveis recentes.

A leitura que o sistema faz do espaço aéreo é emblemática, associando por um lado os dispositivos da comunicação interpessoal à produção de obsolescência, mas sobretudo questionando a respon- sabilidade de cada um na formação e sustentabilidade dos chamados ambientes informacionais.

Funcionamento

Um tubo de acrílico com cerca de 2 metros de altura contém centenas de celulares e outros aparelhos de pequeno porte em desuso. Embaixo há uma abertura, uma pequena porta que abre segundo uma rotina que parece pré-definida. Um dispositivo age sobre essa portinhola, que ao abrir, deixa passar a cada momento, um aparelho celular, que cai num nicho que fica sob o alvo de uma grande morsa mecânica.

O sistema tem um ritmo lento e que causa curiosidade. Vários módulos aparecem integrados, explicitando a precisão precária dos movimentos: o mecanismo que empurra e dispensa os celulares, as engrenagens e correntes acionadas pelo motor que move a morsa hidráulica, um nicho de escoamento do material dilacerado. A lentidão obedece a padrões dinâmicos: em um fluxo de visita normal, apenas a cada 3 horas acontece o esmagamento de um dos aparelhos dispensados pelo funil. A partir da leitura do campo eletromagnético no espaço, caso haja um fluxo in- tenso, o sistema se acelera a ponto de aumentar para cerca de 30 aparelhos a cada 6 horas. Caso não hajam conversas ou uso de celular no ambiente, o sistema se detém, operando em ‘slowmotion’.

A cena parece interessante em meio aos destroços dos aparelhos – para muitos, é primeira vez que se vê as entranhas desses aparatos. Ao lado da traquitana, um monitor LCD mostra um gráfico, que mesmo parecendo abstrato à primeira vista, expõe o fluxo das ondas eletromagnéticas no ambiente, nos informando sobre a interação que ocorre no sistema. Uma série de outras informações relativas à leitura da densidade da potência no ambiente (milliwatts por metro quadrado – mw/m2) são escritas na tela, nos permitindo entender o que acontece entre as medições e o funcionamento da máquina.

Através desse componente digital da máquina, podemos saber por exemplo, qual foi o pico dos sinais nos últimos minutos, quando o sistema iniciou as operações e há quanto tempo está em funciona- mento. A idéia é que o sistema ofereça informações detalhadas, como o tempo decorrido desde que foi destruído o último celular, bem como quando vai ocorrer a destruição do próximo. Todo esse conjunto de informações faz parte da intenção de tornar visível algo que não apenas circula na forma de onda, mas que geralmente nos é omitido (numa tentativa de “clareamento” das caixas pretas, como diria Vilem Flusser) visando a abertura de sistemas fechados, que permanecem como herméticos ou como tabus quando se menciona radiofrequência produzida por roteadores, celulares e outros sistemas largamente utilizados à nossa volta.

Como forma de pontuar os eventos e as ações disparadas no espaço, o som relativo ao aumento das intensidades de sinal eletromagnético, bem como a própria ação de esmagamento produzida pela morsa, é amplificado através de um circuito de áudio, que deve envolver um mi- crofone direcional para a captação dos ruídos produzidos durante o esmagamento, bem como pela transformação dos dados visualizados nos gráficos em pulsos sonoros.

Uma série de evidencias (ver links e referências ao final do projeto) nos faz acreditar que o ritual da morsa hidráulica quebrando cada aparelho é algo esperado, desejado por um público que guarda sentimentos ambíguos e contraditórios com relação ao uso de determinadas tecnologias.

O fluxo de comunicação aumenta e passamos a ser responsáveis por esse fluxo. É o espaço que nos rodeia, permeado de consumo, de va- lores, de ideologias, de informação privada circulando em espaço público. Se não nos sentimos ainda responsáveis, deveríamos começar a pensar mais nisso tudo. Os dejetos se acomodam, o lixo desaparece de nossas vistas, quase tudo parece esvair. Até que um novo estrondo ocorra, e percebemos que o incômodo permanece.

 

documentação em vídeo:

 

ficha técnica:

 

Das coisas quebradas, 2012

Máquina de consolidação de obsolescência a partir de campos eletromagnéticos)

 

concepção: Lucas Bambozzi

desenvolvimento tecnológico: Radamés Ajna

montagem e mecânica: Leonardo Ceolin

apoio técnico: Guima San

assistência e produção: Luciana Tognon

> projeto comissionado pela Mostra 3M de Arte Digital

 

ver também página do projeto:  http://www.lucasbambozzi.net/index.php/projetosprojects/das-coisas-quebradas