Entrevista para Revista Aplauso – RS

Entrevista por email para Fernanda Albuquerque, então pesquisadora free-lancer e jornalista junto à Revista Aplauso, editada em Porto Alegre, RS (dez. 2004)

Lucas Bambozzi interviewed by Fernanda Albuquerque

[free-lancer researcher and and collaborator for Revista Aplauso – Porto Alegre, Brazil]

unpublished . december 2004

Fernanda Albuquerque: Por que o seu interesse em trabalhar, tanto como artista, quanto como pesquisador e curador, no campo da arte e tecnologia?

Lucas Bambozzi: Não se trata exatamente de “interesse”, mas de um desdobramento natural de atividades inter-relacionadas. Não consigo mais deixar de ver todas essas coisas todas conectadas entre si. Minha proximidade com o campo da arte e tecnologia foi acontecendo através de trabalhos que se utilizam das mídias [dentro do conceito de media art] o que pressupõe pesquisas e procedimentos envolvendo tecnologias recentes de comunicação, informação e práticas artísticas associadas a esses meios. E por sugestão desta pergunta, observo meu percurso como realizador de vídeo ao longo dos anos 90 e me sinto bastante “autorizado” a continuar desenvolvendo pesquisas da mesma natureza, porém utilizando mídias mais recentes. E constato também que estive envolvido de forma bem “distribuída” como artista e curador, que são atividades que demandam e fortalecem formas de pesquisa. Mais do que me dispor a fazer o que acho que sei fazer, procuro fazer o quero aprender tambem. Isso me estimula a transitar entre as mídias, a buscar novas combinações entre as linguagens existentes. Acho que uma coisa alimenta a outra.

FA: A produção artística sempre se relacionou, de uma forma ou de outra, com as inovações técnicas e científicas de seu tempo. Por que, no entanto, a expressão “arte e tecnologia” começou a ser empregada apenas neste século? Houve uma acentuação dessa relação?

L: A produção de arte ligada às tecnologias atuais possui algumas atualizações e especificidades que merecem ser consideradas. Essas relações hoje se dão de forma mais intrincada, pois ao mesmo tempo em que estamos falando de algo situado no terreno das artes visuais, ao falar de arte e tecnologia hoje estamos falando de cruzamentos com outras tantas áreas do conhecimento que se tornaram pauta de discussões urgentes (no campos estéticos, éticos, políticos, sociais, culturais, etc. E essa complexidade de relações cresce na medida em que surgem mídias novas, na medida em que em que velho paradigmas são superados, dando lugar a novos conflitos.

As relações entre arte e ciência hoje abordam questões que a própria ciência desconhece, como por exemplo experiências envolvendo a genética (transgênicos, clonagens), a nanotecnologia (obras não-mensuráveis), vida artificial (a imprevisibilidade de comportamento de seres sintéticos) ou robótica avançada (a simbiose homem-máquina). No âmbito dos meios interativos, algumas obras de net arte, web arte, arte telemática, ou que se utilizam das mídias de forma tática, desestruturaram muitas convicções nas práticas curatoriais [e surgiram outras]. Na verdade, prefiro não fazer muitas comparações com as conexões existentes nos séculos passados. A tecnologia hoje molda mais diretamente nossa sociedade e nossa cultura. E acho que não apenas as relações entre arte e tecnologia mudaram mas o próprio conceito de arte vem sofrendo abalos constantes, em vista do contexto atual.

FA: Quando os artistas começaram a se apropriar de inovações tecnológicas (xérox, fax, vídeo), existia uma idéia de subverter esses meios, certo? E hoje? Essa idéia de subversão também está presente no uso que os artistas fazem de tecnologias como a internet, a robótica e genética, por exemplo?

Acho que persiste a idéia de subversão em muitos casos, mas novamente não podemos generalizar, pois o contexto é bem complexo. A não-utilidade da arte para mim ainda constitui para mim um de seus mais interessantes estatutos e um ponto diferenciador entre artistas de um lado e cientistas, programadores e técnicos de outro. Aí residiria um ponto de subversão, independente da mídia utilizada.

Mas observando mais de perto, na maioria dos casos mais atuais, não são os meios que estão sendo subvertidos, mas o sistema que viabiliza sua existência. Muitas obras de internet não subvertem ou causam qualquer ruído à rede em sí, mas algumas induzem formas de conscientização de seu funcionamento, outras promovem “encontros” improváveis, outras direcionam a atenção para aspectos até então invisíveis, outras proporcionam experiências mais sensoriais ou estéticas.

No caso de um campo emergente, ligado às tecnologias da comunicação móvel, por exemplo, temos elementos complicadores, pois o meio já é dominado por grandes corporações (sejam os fabricantes, sejam as operadoras, o que acontece de forma mais ou menos igual em todo o mundo) que num primeiro momento parece não deixar grandes frestas para subversões. Apesar de alguns terminais terem sistemas operacionais baseados em Java [um sistema do tipo open-source] tudo depende de uma rede que tem que vem sendo controlada de forma bem rigorosa, não havendo sistemas autônomos operando em redes paralelas por exemplo. Mesmo assim alguns artistas vem conseguindo algumas proezas via recursos de bluetooth, elaborando aplicativos domésticos ou a partir de conexões com outras redes como a internet [que em teoria, ainda não pertence a nenhuma corporação], sugerindo outras formas de utilização dessas tecnologias notadamente proprietárias e controladas.

Mas a idéia de subversão ligada a arte realmente requer maiores cuidados. Se pensarmos que a desmontagem de um computador para a criação de um sistema específico em uma instalação pode ser considerada uma subversão, então diria que isso acontece o tempo todo. Os casos não se somam numa única equação. Muitos artistas hoje utilizam das mídias recentes como forma de questionar a própria tecnologia envolvida, outros como forma de atingir o próprio sistema da arte produzida para/na rede. Outros como forma de a[r]tivismo político. Mas isso vem sendo feito por não-artistas também e muitas vezes de forma extremamante eficiente.

E há aqueles mecanismos, também situados à margem da arte mas que realmente causam danos e avarias, como os virus, que em raros casos foram associados a obras artísticas, apesar de serem criações de mentes muitas vezes super-dotadas e geniais. A pirataria de software por exemplo, acontece silenciosamente, como se fosse uma vingança de classes, um levante contra o capital internacional, numa impressionante organização que envolve trocas peer-to-peer, criação de códigos, e programação avançada, mas nem por isso se constitui como movimento de subversão autêntico, especialmente por não propor alternativas, por não ser edificante ou assertiva.

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