Kinotrem na Galeria Expandida

A exposição Galeria Expandida, que abre nessa segunda-feira dia 05 na Luciana Brito Galeria aborda projetos na área de confluência entre comunicação e arte. Inspirado em grande parte pelo percurso do artista Waldemar Cordeiro, coloca o foco em nomes como Regina Silveira, Ricardo Basbaum, Gilberto Prado, Fabiana de Barros – e eu entre eles.

A exposição coloca em destaque também um projeto do qual fiz parte junto com uma grande turma de artistas. Realmente, revendo a ficha técnica do projeto fico impressionado como reunimos pessoas tão incríveis.

Falo do circuito de ações formado pelo Kinotrem, realizado em 1997 junto ao Arte/Cidade 3 e o fato é que depois de tanta discussão em torno dos artecidades, o projeto Kinotrem não foi devidamente documentado ou sequer lembrado em suas características.

Não houveram recursos por parte da exposição Galeria Expandida para reunir novamente a equipe e buscarmos juntos uma forma ideal de re-apresentação do projeto num formato póstumo. Em uma vertente mais histórica e outra mais contemporânea (faço parte de ambas), a curadoria optou por uma forma bem simples de expor o projeto, em uma espécie de videoteca onde constam as cerca de 190 fitas VHS que restaram. Ali estão as “materias assinadas” feitas pelo público, as transmissões ao vivo dos bairros do entorno do Arte/Cidade e os programas gravados em meses de pesquisa que antecederam a execução do projeto (realizadas por Patricia Trevelyan, Edu Abad e João Cláudio de Sena, que estiveram no processo até o fim).

Quem for na galeria vai entender o formato mais como um resgate conceitual do projeto do que uma documentação compatível com os esforços demandados na época. O kinotrem era uma proposta intrincada, que foi se modificando à medida em que entravam e saíam colaboradores, mentores e participantes. Inicialmente proposto a Eliane Caffé e a mim, convidamos também Renato Barbieri, que não permaneceu até o início dos trabalhos, principalmente por ter se mudado de São Paulo. Houveram desdobramentos conduzidos por outras equipes, como o desenho externo dos trens, concebido por Ricardo Ribenboim. Refiro-me ao ‘nosso’ projeto como um circuito de reverberação cobrindo com diferentes recursos e tecnologias, a região que se estendia da Luz até a Barra Funda, ponto final do trem que levava os visitantes aos espaços expositivos.

Essa estrutura foi denominada por nós como o Circuito kinotrem, composta por três componentes: Percurso, o interior do trem do Arte/Cidade; Malha/Rede, uma instalação formada por vários monitores e projeções, com imagens ao vivo e pré-gravadas controladas por um VJ; Unidade Móvel, que permitia uma comunicação em tempo real entre vários bairros.

Este último componente, logo apelidado de ‘kinokombi’ foi o que menos visibilidade teve entre o público freqüentador do Arte/Cidade. A ‘kinokombi’ ficava de fato na rua, e transmitia imagens em tempo real em link duplo, de ida e volta, com a mediação sempre bem humorada feita pela Lucila Meirelles e pelo Pedrão Guimarães. Essa conectividade aberta e democrática acontecia graças a um link/antena de transmissão e recepção instalada no alto de uma das altas chaminés das antigas Fábricas Matarazzo (hoje Casa das Caldeiras)e outro kit igual transportado pela ‘kinokombi’ (como fazem as TVs comerciais mas nunca com essa via de mão dupla). Ou seja, de onde a a equipe da ‘kinokombi’  avistava a chaminé, podia haver transmissão. E assim acontecia, no improviso e buscando evidenciar os contrastes que haviam entre os universos conectados (os artistas e frequentadores dos espaços do Arte/Cidade e a vida muitas vezes desprovida de qualquer glamour dos habitantes da Freguesia do Ó, Barra Funda, Campos Elíseos, Lapa, Bom Retiro e Luz).

A central de exibição, localizada nas Fábricas Matarazzo, guardadas as proporções e a pouca potência dos projetores na época, era uma espécie de espaço multitelas, uma instalação formada por projeções de slides elaborados finamente pela artista Lucia Koch (diretora de arte do kinotrem e também uma das mentoras dos caminhos estéticos do projeto) e com manipulação e mixagem ao vivo (sim, VJ naquela época, bem antes dessa prática se afirmar como categoria de trabalho) conduzida diariamente pelo cineasta Jefferson De.

Lili Caffé foi uma companheira incansável nesse projeto, ajudando a convencer os irmãos Fabiano e Caio Gullane (hoje Gullane Filmes) a encabeçarem a produção e direção geral da empreitada (não apenas executiva mas também criativa – estão ali os vídeos dirigidos pelo Fabiano nessa sua fase de diretor). Uma complexa logística de funcionamento do circuito foi coordenada pelos produtores Rui Pires e Andre Montenegro. Isso envolvia a circulação dos carrinhos de videoarte ‘a la carte’ dentro dos trens, o carregamento diário das pesadas baterias que alimentavam videocassetes e TV’s de 20 polegadas, o empréstimo das câmeras para os visitantes (o interessado em registrar seu percurso deixava sua carteira de identidade e saía com uma câmera já com a fita VHS preparada, com duração pré-definida e no ponto certo).

Nos ajudou muito ainda, sempre me lembro, o Jurandir Muller.

O ano de 1997 foi extremamente intenso. Ali, ao menos para mim, se iniciou uma nova perspectiva em comunicação e arte, desde então, ambas sempre em estreito dialogo com a realidade social que nos rodeia.

  • Enfim, essa é uma das histórias que a exposição resgata. E quem for na Luciana Brito Galeria até 17/04 ainda vai poder ver minha individual Presenças Insustentáveis, que vem sendo extremamente elogiada.

Info: http://www.lucasbambozzi.net

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Kinotrem (1996-1997)

Memória do circuito bidirecional de emissão e recepção de vídeo em tempo real entre os bairros Bom Retiro, Água Branca, Freguesia do Ó, Barra Funda, Luz e Lapa.

Material disponível: cerca de 190 fitas VHS com imagens das transmissões ao vivo ao longo de 14 dias entre a unidade móvel (Kinokombi) e o circuito de exibição controlado por VJ, formado por monitores e projeções nas Indústrias Matarazzo durante o Arte/Cidade III.

ficha técnica:

Concepção original do projeto

Lucas Bambozzi, Eliane Caffé, Fabiano Gullane e Renato Barbieri

Coordenação geral

Lucas Bambozzi

Direção

Eliane Caffé

Fabiano Gullane

Lucas Bambozzi

Direção dos vídeos

Fabiano Gullane

Coordenação de produção

Caio Gullane

Direção de Arte

Lucia Koch

Corte e edição em tempo real

Jefferson De

Intervenções e mediações

Lucila Meirelles

Pedro Guimarães

Produção

André Montenegro

Rui Pires

Pesquisa Histórica

Patricia Trevelyan

João Cláudio de Sena

Pesquisa e Assistência de Direção

Patricia Trevelyan

Eduardo Abad

Realização

Diphusa Mídia Ditial e Arte

SESC

Arte/Cidade

Exposição Galeria Expandida

Curadoria Cristine Mello

Analivia Cordeiro, Ana Paula Lobo, Bruno Faria, Claudio Bueno, Denise Agassi,

Esqueleto Coletivo, Fabiana de Barros, Gilbertto Prado, Lucas Bambozzi,

Regina Silveira, Ricardo Basbaum e Paula Garcia.

Abertura: segunda-feira, dia 05/04/10 às 19h30.

De 5 à 17 de abril de 2010.

Terça a sexta-feira, das 10h às 19h, sábados, das 11h às 17h.

Entrada gratuita.

Luciana Brito Galeria

Rua Gomes de Carvalho, 842, Vila Olímpia, São Paulo, Brasil.

http://www. lucianabritogaleria.com.br/

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