FUTUROS POSSÍVEIS/ POSSIBLE FUTURES

Simpósio Internacional/International Symposium

Futuros Possíveis discute temáticas emergentes no campo da preservação do patrimônio artístico e cultural, reunindo especialistas de renome internacional da área de conservação de arte digital e de digitalização de acervos.

de 01 a 05 de outubro de 2012, na FAU, USP

programação aqui

 

Esquecimento e conveniência

Minha apresentação no Seminário Futuros Possíveis parte de um estudo de casos em torno de supostos mecanismos que produzem certa obsolescência institucional e tecnológica observada hoje.

Dentre os casos a serem comentados, está o do acervo online da Casa das Rosas. Entre os anos de 1995 a 2000, a Casa das Rosas desenvolveu uma atividade pioneira, não apenas no que se refere à inclusão dos meios digitais como prática cultural como foi um dos primeiros espaços que utilizou a Internet como um campo de desenvolvimento de exposições e projetos artísticos, criando um diálogo até então inédito entre os acontecimentos nos espaços físicos e o ambiente virtual. O legado da Casa das Rosas constituído em cerca de 5 anos de atividades intensas na Internet (que naquele momento ainda engatinhava), talvez fosse hoje motivo de orgulho das ações do estado na cultura envolvendo mídias digitais. Sob a direção de J. R. Aguilar, se tornou um espaço único no país naquele período, respeitado por instituições como a Rhizome (EUA), Banff Center (Canada), V2 (Holanda) e Telepolis (Alemanha). Ocorreram exposições ícones, fazendo cruzar gerações, meios e estéticas distintas. Os exemplos são muitos: a performance Time Capsule, de Eduardo Kac ocorreu ali. Falo do da performance em que o artista implantou um chip em sua perna, em ação transmitida pela TV em rede nacional e em streaming pela internet, durante a exposição Arte Suporte Computador, de minha curadoria. Estiveram nessa exposição trabalhos de Augusto de Campos, radicais como Tecnobomber, uma performance de Tadeu Jungle antecipando questões ligadas a obsolescência tecnológica hoje muito discutidas, apontando a relação de amor e ódio existente diante dos aparatos que passaram a permear nossa vida na última década. Houveram atividades na internet em homenagem a Mario Schenberg, Mario Pedrosa, Waldemar Cordeiro, uma exposição idealizada por Haroldo de Campos (Desexp[l]osignição) em um momento de revisão entre os concretos e neo-concretos. Houveram exposições temáticas como a Utopia, fazendo reverberar na Internet trabalhos de Baravelli,
 Carmela Gross,
 Duncan Lindsay,
 Fernando Zarif,
 Gabriel Borba, Iole de Freitas,
 José Resende,
 Lenora de Barros,
 Marcia Grostein,
 ,
 Tunga, 
Walter Silveira e outros. Fizemos a Bitfoto, uma exposição que aconteceu exclusivamente online, com fotógrafos como Cassio Vasconcelos, Fernando Lazslo, Marcelo Zochio, Rochelle Costi, Eli Sudbrack, Adi Leite, Rubens Mano, Everton Ballardin. Realizamos a primeira atividade transmitida durante 24hs, por 30 dias, que se converteu no projeto Imanência (coordenado por Renato Cohen, acompanhado por Miriam Chnaiderman, por mim discutido nos canais online, antes das mídias sociais), em um formato ainda imune aos muitos bigbrothers que passaram a se multiplicar pela TV nos anos seguintes. Foram estimulados projetos de muitos artistas que ali estrearam suas experiências ditas “multimídia”. Seguiu-se na Casa uma lógica de desmitificação da autoridade curatorial, em dinâmicas onde um artista convidava o próximo, em que a perda do controle era parte de um processo rico e permeado de boas experiências. Toda atividade sempre foi marcada por uma tentativa de tradução de meios e linguagens, em busca do entendimento do que seria o modo online. Foi na Casa das Rosas que aconteceu o primeiro encontro Mídia Tática Brasil, tendo no debate de abertura um encontro entre John Perry Barlow (EUA), Richard Barbrook (ING) e Gilberto Gil (ocorrido no Sesc).

Há muito o que contar sobre esse período efervescente. Tudo sempre aconteceu em torno da Internet e da conexão dedicada que conseguimos junto à Fapesp e RNP.

Mas as atividades da Casa das Rosas foram cessadas de forma um tanto abrupta pela Secretaria de Estado da Cultura (gestão Claudia Costin) e seu perfil mudou. Nada contra à nova aptidão conferida ao espaço. O que questiono é o fim que foi dado ao seu acervo online, justamente quando estas práticas se faziam relacionar com outras formas mais estáveis e mais amplamente aceitas de arte.

A discussão que proponho com o tema Esquecimento e Conveniência para o seminário Futuros Possíveis envolve uma dimensão da tecnologia inevitavelmente pontuada por aspectos ideológicos e sociais – direcionados por vetores transitórios e/ou de oportunidade mercadológica.

Se uma manifestação cultural não é compreendida dentro dessa amplitude, ela pode ser sequestrada pelos seus meros aspectos estético-fetichistas mais aparentes – ou reduzidas a uma funcionalidade modernista. Colocar iniciativas artísticas dentro desse baú à deriva, se revela ideológico, de interesse conservador, ou de fato, uma estratégia de manutenção de poderes no campo da arte.

Interessa identificar os motores de um processo que gera obsolescências reincidentes (institucionais e tecnológicas) e novos anacronismos surgem. Fala-se em apagamento, perde-se a memória — não há quem conte a história sequer para o presente o que dirá um futuro próximo.

As operações de apagamento hoje se dão dentro da lógica do copy & paste. Talvez os processos tecnicistas que regem as práticas do trabalho hoje estejam migrando para a cultura com rapidez maior do que pensamos, e a memória desses processos se esvai em ritmo similar. O que ontem era considerado uma atividade “de ponta”, reverte-se inevitavelmente num estado de coisas permeado pelo incômodo e pela conveniência ao esquecimento.

 

Lucas Bambozzi

SP, 18 e junho de 2012

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